sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Educação escolar indígena no Acre: quem é irresponsável?


Em audiência pública ocorrida nos dias 11 e 12 de julho, na sede da Justiça Federal no Acre, convocada pelo Ministério Público Federal, a representante do MEC Srª Susana Grilo, já iniciou sua fala dizendo: “li na imprensa nacional uma matéria que dizia que a educação escolar indígena do Acre é uma das piores do Brasil juntamente com a do Maranhão. Dizer isso, é irresponsável!”, disse a douta professora. A matéria a que ela se referia era um post publicado aqui mesmo neste blog e que retratava a realidade da educação escolar indígena no Brasil a partir de levantamento feito e apresentado durante uma oficina realizada em Brasília.

Profª Susana Grilo do MEC
Naturalmente a professora cometeu tal equívoco porque preferiu ouvir apenas as informações da Secretaria Estadual de Educação. Caso tivesse se prestado a ouvir os povos indígenas, o Ministério Público e outras entidades que atuam junto aos povos indígenas, saberia, por exemplo, que desde 2009 o Ministério Público Federal, motivado por constantes denúncias de abandono da educação escolar indígena, instaurou processo no sentido de apurar as denúncias e encontrar soluções que obrigassem o Estado do Acre a cumprir com suas obrigações. Precisa ser dito que desde 2000 a educação escolar indígena é de responsabilidade do Estado do Acre e cuja formação dos professores indígenas se dá por meio de convênios, firmados basicamente entre MEC/Estado do Acre e a Comissão Pró-Índio do Acre - CPI/AC.

O mais interessante é que a professora leu apenas este modesto blog, já que não viu, ou não quis ver, que todos os dias os jornais do Acre plantam propagandas como se fossem notícias dando conta de que a educação escolar indígena é a “melhor do Brasil”, “de primeiro mundo”, “exemplo a ser seguido”. Aliás, no primeiro dia da audiência pública os jornais do Acre amanheceram, todos, com a seguinte matéria de capa: “FNDE aprova construção de escolas indígenas no Acre”. Engraçado, apesar de trágico, é que a professora recebeu todas as informações sobre a educação indígena no Acre, menos os documentos que os povos indígenas levaram até Brasília e protocolaram no MEC. Ela foi capaz de dizer quantas escolas foram (ou teriam sido) construídas, mas não recebeu nenhum documento protocolado lá pelos povos indígenas dando conta da péssima situação e do abandono da educação escolar indígena no Acre.

Ainda em sua fala, a representante do MEC disse que reclamar da qualidade da educação escolar indígena é ter posição preconceituosa em relação aos professores indígenas. O que ela esqueceu de dizer é que os professores não se auto-formam. Eles recebem, ou deveriam receber, a formação do próprio Estado. Se não estão recebendo a formação adequada a culpa é de quem? Não venham se esconder atrás dessa cortina de fumaça! A educação escolar indígena no Acre é ruim porque os professores não estão recebendo a formação adequada. Pior, fazem mais de três anos que não recebem nenhuma formação.

Não existe ainda oficialmente a categoria de “professor indígena” e nem mesmo de “escola indígena”. Os professores tem contratos provisórios e ficam a mercê de políticos além de receberem menos que o piso nacional. Não bastasse isso, em muitas escolas o professor é, além de professor, merendeira, transportador escolar, faxineiro, diretor e tudo mais que uma escola precisa e ainda fica por cerca de quatro meses sem receber porque o contrato provisório expira.

Vamos entender porque a professora chama o post de irresponsável

Este post data de 11 de junho de 2012. A CPI/AC trouxe em sua página na internet, no dia 12 do mesmo mês, carta supostamente escrita pela OPIAC e que teria sido endereçada ao Cimi, Regional Acre, e a mim. A carta teria sido escrita durante reunião que os indígenas realizaram em Cruzeiro do Sul. Estranha já de início a agilidade dos indígenas em lerem o meu post, se reunirem ainda no dia 11 e elaborarem a carta e publicar na página da CPI na manhã do dia seguinte. Ocorre que jamais recebemos tal carta e a mesma só foi publicada na página da CPI e nenhum professor indígena, até o momento, assumiu a autoria de tal carta. Como posso ser o destinatário de uma carta e não a receber e mesmo assim ter o seu conteúdo estampado em uma página da internet?

Na tal carta são tecidas acusações gravíssimas ao Cimi e a mim pessoalmente. Em um dos trechos, último parágrafo, lê-se: “Nós aconselhamos o senhor Padilha a ir trabalhar, ou então que fique aí latindo, que nós trabalhamos”. Ora, latir é uma atribuição própria dos cães, donde facilmente se deduz que sou tratado como cachorro, adjetivo que viola minha dignidade como pessoa humana e ainda denigre minha imagem e a imagem da instituição a qual represento. Mesmo que a suposta carta tenha sido realmente escrita pelos professores indígenas (ou por algum deles), causa-me estranhamento que professores se valham de uma linguagem tão baixa, quase chula, para se referir a um representante de uma instituição devotada à causa indígena, como o Cimi.

Não reagi imediatamente porque preferi esperar a audiência pública convocada pelo Ministério Público, a que ocorreu nos dias 11 e 12 de julho, justamente um mês após meu post e a publicação da suposta carta que visava, e visa, denegrir minha imagem, pela CPI/AC.

No dia 16 de julho, apresentei Notícia de fato ao Ministério Público, Promotoria Especializada em Direitos Humanos, que foi registrada sob o nº 01.2012.00001620-5, posteriormente encaminhada cópia à Corregedoria-Geral de Polícia Civil para providências, já que se trata de crime contra a honra. Ví-me obrigado a tomar tal medida para que cessem as agressões, calúnias e difamações, já que não é a primeira vez que a CPI/AC publica material ofensivo a mim e ao Cimi sem a devida cautela quanto à autoria, já que sempre atribui a autoria a indígenas.

Exigirei, judicialmente se preciso for, que a CPI/AC explique como teve acesso a uma carta destinada a mim sem que nem mesmo eu tivesse acesso oficialmente a ela, como não tive até hoje. Como conseguiu que, em menos de 24 horas os indígenas se reunissem, estudassem o meu post, redigissem a carta e a encaminhasse para publicação na página da web da CPI? Qual é o real interesse em denegrir minha imagem e da instituição a qual atualmente represento?

Claro ficou na audiência pública que a educação escolar indígena realmente enfrenta problemas gravíssimos e se encontra em estado de abandono. Então, e depois de tudo, quem é mesmo irresponsável?

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